segunda-feira, 15 de agosto de 2011

 

O eleitor, esse irresponsável


Pelo menos 13% dos brasileiros afirmaram ter vendido o voto. É algo em torno de 20 milhões de eleitores que se corromperam. É honestidade da boca pra fora
Este colunista não é candidato a nada. Pretende apenas contribuir, com suas análises e opiniões, para uma política menos indecente. Por isso, não tem compromisso em fazer média ou afago com seu ninguém, em busca de voto ou apoio. Dito isso, uma constatação: com exceções, claro, o eleitor brasileiro é um grande irresponsável e hipócrita. Não se espantem. Esta é apenas uma outra forma de dizer que cada cidade, estado ou país tem o governo que merece. Bom ou imprestável. O período ditatorial ficou para trás há mais de um quarto de século. De lá para cá, tivemos dezenas de eleições, se considerarmos os mandatos dos executivos e legislativos. Sempre pelo voto secreto, livre e soberano. Salvo os dinossauros que ainda estão em mandatos, toda uma outra geração de políticos foi formada nos últimos 30 anos. As instituições se fortaleceram. Nossa expertise nos processos de votação e apuração é exportada para todo o mundo. E o eleitor? O que mudou na cabeça desse sujeito que vive cobrando, na retórica, mais honestidade dos políticos? Se perguntado, qualquer um, certamente, dirá que a seriedade é uma característica importante de qualquer homem ou mulher públicos.

Mas o conceito de honestidade, no dia-a-dia, vai se relativizando. Esse mesmo eleitor adora um favor do político que ajudou a eleger ou que vem pedir o voto dele. O vício está em toda parte. Vai das cidadezinhas, em que famílias inteiras entopem os cabides de emprego, ou que de alguma forma se beneficiam dos laços de amizade, às grandes estruturas estaduais ou federais. A lógica é a mesma: todo mundo quer se dar bem.

HONESTIDADE DA BOCA PRA FORA
Antigamente, era a dentadura o objeto do desejo de eleitores desdentados e analfabetos. O candidato dava uma dentadura, ganhava o voto. Atualmente, temos eleitores com dentes naturais, bonitos e bem tratados, com boa escolaridade, vendendo seu voto e de seus parentes por um emprego terceirizado ou algum outro tipo de favor político. Na essência, mudou alguma coisa? Esses dois exemplos são os mais clássicos. Mas há uma infinidade de outros por aí. Visíveis e invisíveis. Talvez acontecendo nesse exato momento. E o próprio eleitor reconhece isso. No segundo semestre de 2009, uma pesquisa Datafolha mostrou que pelo menos 13% dos brasileiros afirmaram ter vendido o voto. É algo em torno de 20 milhões de eleitores que se corromperam. 10% foram por emprego ou outro favor, 6% por dinheiro e 5% por algum tipo de presente. Detalhe: 94% dos entrevistados afirmaram que venda de votos é condenável. Percebem? É honestidade da boca pra fora.

Só isso pode explicar o fato de termos eleições de dois em dois anos e a classe política ser cada vez mais carcomida em termos de valores morais. Mais uma vez, grifando as exceções. Mas é como se existisse um teatro de lado a lado: o político finge ser bem intencionado, o eleitor faz de conta que acredita, vende o voto, e o político, eleito, faz o que bem entende com ele.

A CRETINICE ALIMENTA O CICLO Uma consequência direta do comportamento deplorável de muitos eleitores é a mercantilização do voto. Estamos diante de campanhas eleitorais cada vez mais profissionalizadas e caras. É aquela conhecida história, já detalhada aqui, de que quem não tem dinheiro ou não é ligado à estruturas do poder público não consegue se eleger. Os derrames de dinheiro vivo, nas horas que antecedem os pleitos, que o digam. Geralmente de origem espúria, abastecem os comitês paralelos que se formam em torno desse ou daquele candidato. É um mercado sempre em ebulição em épocas eleitorais. Há casos, inclusive relatados por políticos, nos bastidores, reclamando da inflação no preço do voto, por causa de fortes intervenções financeiras em regiões específicas do Ceará. Vai da compra, literalmente falando, de apoio político, à controvertida distribuição farta de dinheiro para os cabos eleitorais, a pretexto de ser para alimentação e transporte. Lembrando: só existe esse tipo de abuso porque o eleitor, que vive posando de santo do pau oco, permite. É um ciclo perverso, que se retroalimenta. Para muitos eleitores, disputa política é o momento para descolar aquele favor ou uma graninha extra. Já para muitos políticos, trata-se de um investimento, cujo retorno é a exata medida dos prejuízos para a sociedade. Não adianta ficar só falando mal de político. Se o eleitor não deixar de ser cretino, nada muda.
Erivaldo Carvalho