domingo, 14 de agosto de 2011

Companheiros, pai e filha se ajudam
Circunstâncias de vida, como mudança na rotina diária ou na carreira, promovem inversão de funções entre pais e mães
Luiz Beltramin
No caso de Roberto Correia Medeiros e da pequena Maria Eduarda, não houve uma “rebelião” para a inversão de papéis. As circunstâncias do destino fizeram com que o autônomo, de 46 anos, assumisse as funções de pai e mãe ao mesmo tempo.

Viúvo há apenas cinco meses, ele acompanha a filha de oito anos de forma praticamente integral. Desde a hora em que a menina acorda, com o café da manhã, até depois que chega da escola, ele é o único esteio da menina desde que ela ficou órfã da mãe, vencida após extensa luta contra um câncer.

Para atenuar o sofrimento da menina – se é que é possível – Roberto se desdobra. “Eu faço tudo para ela. Cuido das coisas da casa e fico próximo o tempo todo. Mas o mais difícil de tudo é superar a falta que a mãe faz para ela”, lamenta o pai. “Não é fácil, a menina era muito apegada à mãe, que era de uma personalidade muito extrovertida”, emociona-se.

Com a ajuda das tias maternas, Maria Eduarda se distrai, conta Roberto. Os passeios no shopping ajudam a espairecer.

Mas é ao lado do pai, também, que a menina também encontra a maior parte dos motivos para sorrir, seja em frente à TV, na companhia cativa do paizão para assistir aos desenhos animados prediletos ou até mesmo num ambiente quase que restrito ao universo masculino.

Mordomo, como são chamados os auxiliares que acumulam a função de roupeiro entre outras atribuições nas equipes de futebol, Roberto tem a companhia cativa de Maria Eduarda aos domingos nos gramados bauruenses, durante as partidas do time do Beija-Flor.

Para ele, além da boa companhia para assistir aos desenhos animados, é fundamental a presença da menina também nos jogos, que, para ele, são mais uma forma de driblar a tristeza e fortalecer, ainda mais, o vínculo de confiança, carinho e fortalecimento mútuo entre pai e filha. “Ela é uma criança um pouco reservada, então acho importante que me acompanhe no campo também. Nossa convivência é quase que 24 horas por dia”, descreve.

Mudança cultural

Mauricéia Quinhoneiro, psicóloga do Centro de Terapia Cognitiva (CTC) acredita que essa mudança de hábitos, com os homens mais voltados à criação dos filhos dentro de casa, e, consequentemente, aos próprios afazeres do lar, é fruto de uma nova ordem na organização familiar a partir da maior participação feminina no mercado de trabalho. “Muitas famílias têm sido bancadas financeiramente por mulheres”, opina.

A terapeuta, que também exemplifica a mesma situação em casos de divórcio com a guarda compartilhada dos filhos, considera, entretanto, que o “paternalismo maternal” é algo a ser estabelecido conforme o passar dos anos, numa mudança cultural gradativa. “Existe uma cultura arraigada de que a mulher é a responsável pela criação. Desde pequenas as meninas brincam com bonecas”, argumenta. “Em contrapartida, há a cultura de que o homem seja o provedor da casa. Esses valores são transmitidos entre as gerações seguintes”, lembra.

Para ela, o ideal é a presença constante de ambas as figuras ao lado da criança. Porém, a terapeuta enxerga a inversão de papéis na criação doméstica dos filhos com bons olhos, principalmente para que a figura do pai se livre do estigma de “autoritário”, alguém que impõe até mesmo sentimento de medo na criança.

Porém, Mauricéia acentua que, resultados efetivos desse novo perfil doméstico somente poderão ser traçados se a presença da figura paterna dentro de casa, efetivamente, se consolidar no decorrer dos anos. “Os frutos somente serão percebidos com o passar do tempo, conforme mais pais começarem a cuidar dos filhos desta forma”, observa.


Por música

Mas não é em toda casa que os homens precisam de uma “revolução” ou então “rebelar-se” para ocupar o território feminino. Em alguns lares, elas dão graças à Deus em ter um amparo masculino para lidar com as crianças. É o que ocorre na residência do casal Gilvá Francisco Silva Júnior e Denise Machado Beviláqua. Ambos trabalham com vendas e revezam seus horários para cuidar da pequena Mel, de seis anos.

No trabalho de manhã e na lida doméstica durante o período da tarde, Gilvá não se incomoda nem um pouco com os afazeres tanto da casa quanto relacionados à criança, pelo contrário: “felizmente tenho essa rotina e tivemos a sorte em trabalhar em horários distintos”, festeja o pai, que divide o tempo entre a arrumação, faxina, comida para a menina e, obviamente, diversão ao lado da criança. “Eu também me divirto muito e a maior parte do nosso tempo é dedicada a desenho ou música”, especifica.

Músico por hobby, Gilvá tem Mel também como companheira de ensaio. Mesmo com apenas seis anos, orgulha-se o pai, a pequena já arrisca na bateria. “Filho é uma benção”, comemora. E a patroa, segundo o maridão, afinado às tarefas do lar, levanta as mãos para o céu, por ter um espaço, antes reservado somente às mulheres, dividido: “ela dá graças a Deus por eu ser tão prestativo”, orgulha-se.