segunda-feira, 15 de agosto de 2011




Técnicas de boa gestão para ONGs
Andréa Gomide largou uma carreira de executiva na Microsoft para ensinar as melhores práticas do mundo corporativo a quem se dedica a fazer o bem
Maurício Meireles
Divulgação
As badaladas do sino indicavam a entrada de mais dinheiro no caixa da empresa. A equipe de Andréa Gomide comemorava mais uma venda milionária. Em 20 anos, depois de se formar em ciência da computação na PUC-Rio, ela construíra uma carreira de sucesso. Conquistara o emprego de seus sonhos, na diretoria da filial brasileira de um dos ícones da tecnologia no mundo: a Microsoft. Mas já fazia um tempo que ela não se realizava com aquele tipo de conquista. Tanto que, aos sábados, prestava trabalho voluntário na favela do bairro do Limão, em São Paulo. Ali, ajudava gente cuja casa era menor que sua sala de executiva. Em pouco tempo, o que era uma atividade de fim de semana se tornaria um ofício de todos os dias. Hoje, Andréa é presidente do Instituto Ekloos, uma ONG que dá consultoria a outras ONGs. Andréa usa a experiência empresarial para ensinar outros projetos sociais a se estruturar, fazer fluxo de caixa, medir resultados. “Todos chegam aqui muito crus. A grande maioria nem faz a contabilidade”, diz. Hoje, ela atende 16 ONGs no Brasil inteiro.
A ideia de mudar de vida já lhe martelava a cabeça desde o dia em que conhecera uma mãe de família desfigurada por uma surra. Os filhos se agarravam a suas pernas, assustados com a violência do próprio pai. “Minha vida da semana contrastava com a realidade que via aos sábados”, afirma. Quando Andréa largou tudo, foi chamada de louca. O gatilho para tal “loucura” surgiu no meio da rotina de mulher de negócios: esperando uma ponte aérea para o Rio de Janeiro no aeroporto de Congonhas. O voo estava atrasado. Para passar o tempo, resolveu entrar numa livraria. Na prateleira, um título chamou-lhe a atenção: Saí da Microsoft para mudar o mundo, do americano John Wood, uma obra autobiográfica. Wood voltou de uma viagem de férias no Nepal decidido a largar a carreira de executivo na Microsoft para ajudar a alfabetizar crianças pobres da Ásia. Ele empregou técnicas de gestão empresarial e criou a ONG Room to Read (Sala de Leitura, numa tradução livre), que construiu uma rede de 7.500 bibliotecas e 830 escolas em comunidades pobres da África e da Ásia.

 Guillermo Giansanti/ÉPOCA
REALIZAÇÃO
Andréa Gomide entre crianças que têm aulas de balé no Projeto Jurujuba, em Niterói, uma das ONGs assessoradas por ela. Andréa recebeu propostas para voltar ao mundo corporativo, mas preferiu ficar no terceiro setor

Andréa seguiu o exemplo do americano em 2007. Não foi para o Nepal, mas para Portugal, Espanha e Alemanha. Passou 40 dias. Lá, conheceu o modelo das ONGDs – organizações não governamentais para o desenvolvimento. Essas instituições atuam como captadoras de recursos e ajudam a construir projetos nos países em desenvolvimento. Assessoram ONGs de países pobres nos contatos com investidores europeus e repassam o dinheiro para elas, fiscalizando seu uso com viagens periódicas para ver o que é feito nos projetos financiados. Andréa achou o modelo interessante, mas não queria criar uma ONG para ser uma mera captadora de recursos. Queria trabalhar junto aos projetos que ajudasse a financiar. Por isso, o Instituto Ekloos é uma união do que fazem as ONGDs e as consultorias empresariais especializadas. A ideia é aplicar princípios do mundo corporativo ao terceiro setor – e, com isso, aumentar sua eficiência.
“Demos uma guinada! A Andréa tem uma visão bastante empresarial”, afirma Cristina Maranhão, presidente do Projeto Jurujuba, ONG que dá aulas de reforço escolar, balé e artesanato para crianças de uma comunidade pesqueira de Niterói. O projeto começou nas areias da Praia de Jurujuba, em 1988, e hoje conta com recursos do projeto Criança Esperança – conseguidos depois de uma parceria com o Instituto Ekloos. O número de crianças atendidas saltou de 40 para 100 desde o início da parceria. A meta é crescer. “Não basta ser generoso, é preciso profissionalizar”, afirma Cristina, que hoje tem escritório de contabilidade e conseguiu acelerar a burocracia do projeto com a ajuda de Andréa. Os recursos vieram como consequência do esforço. Hoje, o Projeto Jurujuba também tem um programa de formação de voluntários.
O Instituto Ekloos defende a ideia de que as ONGs tenham como modelo a Room to Read, fundada por John Wood. Deve pagar salários iguais ou acima do mercado, oferecer benefícios trabalhistas, arcar com seus custos fixos – e contratar talentos. Como qualquer empresa bem-sucedida. Andréa afirma, contudo, não receber um centavo do Instituto Ekloos. Ganha a vida com consultoria para empresas. “Aqui no instituto, meu salário é 100% a menos do que na Microsoft.”
O perfil empreendedor de quem cria projetos sociais é um belo ponto de partida para o sucesso, diz Andréa. A dificuldade é a falta de capacitação em gestão de quem costuma fundar uma ONG. Dos 16 projetos assistidos pelo Instituto Ekloos, só um tem presidente formado em administração. “Não adianta dar apenas dinheiro para as ONGs. A grande maioria não vai ter a menor ideia do que fazer com os recursos”, afirma Andréa. “Mesmo que não tenham fins lucrativos, é importante lucrar. A diferença é que o dinheiro não será dividido entre os donos, mas investido no crescimento da própria ONG.” Andréa continua recebendo convites no mundo corporativo. Há três semanas, foi chamada para ser diretora de responsabilidade social de uma grande empresa. Recusou. Ela está agora onde sempre sonhou.
Projeto Generosidade