segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Governo Dilma falha na articulação política, afirma Ana Amélia
 
Fernanda Bastos e Paula Coutinho
Fredy Vieira/JC
''O governo federal age corretamente na limpeza, mas erra na forma de fazer'', aponta.
''O governo federal age corretamente na limpeza, mas erra na forma de fazer'', aponta.
A senadora Ana Amélia Lemos (PP), no exercício do seu primeiro mandato como parlamentar pelo Rio Grande do Sul, avalia que o governo federal ainda não conseguiu deslanchar na articulação política com o Congresso Nacional. “O relacionamento político é uma questão muito delicada e sutil. Se você não tiver habilidade para fazer isso, é difícil conseguir adesão”, opinou.

Em relação à crise ministerial, a senadora analisa que a presidente Dilma Rousseff (PT) está agindo bem ao fazer a chamada “limpeza”, mas peca na condução do processo. “Se criou um ambiente muito ruim no Congresso em função dessas mexidas nos ministérios.”

Ana Amélia também comenta o cenário estadual e a atuação da bancada progressista na Assembleia Legislativa. Cotada pelo diretório metropolitano do PP para concorrer à prefeitura de Porto Alegre em 2012, a senadora descarta abandonar o mandato para disputar as eleições. A progressista, no entanto, diz que irá participar do processo, atuando na mobilização e captação de novos filiados. Ana Amélia também acredita que é cedo demais para se posicionar sobre uma possível candidatura ao Palácio Piratini em 2014. “O governador (Tarso Genro, do PT) começaria a me dar tiro de todos os lados e o partido dele também. Para que criar agora um problema desnecessário”, questiona.

Jornal do Comércio - Como avalia o primeiro semestre do governo Dilma Rousseff (PT)?
Ana Amélia Lemos -
Se criou agora um ambiente muito ruim no Congresso em função dessas mexidas nos ministérios. O governo está agindo corretamente no fundamental: a limpeza. Mas na forma de fazer é que está errando. Há um ditado que diz que nem as moscas se atraem com vinagre. O relacionamento político é uma questão muito delicada e sutil. Se você não tiver habilidade para fazer isso, é difícil você conseguir adesão. Então, tem que ser feito com muito cuidado, tem que honrar acordos. Acho que estão hostilizando algumas áreas. Um outro fator que expõe a crise política que estamos passando com o governo Dilma é o aparelhamento do Estado. A presidente da República assina a nomeação de mais de 20 mil cargos em confiança (CCs). Isso não é para o Estado funcionar. Tem muita acomodação política. Isso é ruim porque é ineficiente, não é produtivo e o sujeito está lá não para atender ao interesse nacional, mas para atender aos interesses do seu partido.

JC - Essa fragilidade na relação política confirma as críticas à capacidade de articulação da ministra Ideli Salvatti (PT), das Relações Institucionais?
Ana Amélia -
Prefiro falar sobre o conjunto do que personalizar. O governo tem maioria, mas a maioria é desorganizada. Lembro de uma ocasião em que eu acompanhei uma visita do então presidente Fernando Henrique (PSDB) aos Estados Unidos. Ele era muito amigo do presidente Bill Clinton, que tinha lá uma minoria de republicanos que infernizava a vida dele. E ele disse o seguinte: “Nós dois temos o mesmo problema, só que de diferente natureza. Você tem uma minoria organizada e eu tenho uma maioria desorganizada”.

JC - A presidente Dilma já se preocupa com a possibilidade de isso se refletir nas votações?
Ana Amélia -
Lula (PT) tinha uma grande habilidade nessa interlocução. Prefiro Dilma, do ponto de vista de gestão. Mas ela precisa de quem faça essa interlocução. No Senado você tem no mínimo uns 20 ex-governadores. Gente de muita experiência. E tinha três ex-presidentes da República (José Sarney, Fernando Collor de Mello e Itamar Franco, falecido). Aliás, o Itamar faz uma falta tremenda porque era um grande senador. São pessoas que têm história. Então, é preciso saber até abrir uma conversa. Isso requer um grau de preparo, de relacionamento.

JC - Isso dificulta o avanço das reformas política e tributária no Congresso?
Ana Amélia -
Sou cética em relação a esses dois pontos. Acho que vai se avançar muito pouco.

JC - Como avalia o primeiro semestre de trabalho?
Ana Amélia -
Imaginava que pudesse produzir uma maneira de trabalhar com mais qualidade. O ritmo é de superposição das comissões técnicas, além das votações em plenário e audiências públicas. Tem que se dividir. Às vezes, você é requerente de uma audiência pública e, no mesmo horário, começa uma outra sobre um tema que também é importante. Esse é um dos dilemas. Noto também que tem um grau de retórica muito grande. Fiquei surpresa com esse excesso de trabalho e com uma organização pouco produtiva no rito de trabalho.

JC – Acredita que é por conta desse ritmo de trabalho que alguns temas emperram no Congresso?
Ana Amélia -
A rotina é sempre quebrada quando se quer. Sempre que se tem a decisão política de fazer, se quebra. Quando se quer dar prioridade na Casa, as pessoas que têm comando, ou seja, os líderes e o presidente da Casa, fazem e decidem. Às vezes, é o desejo de manter aquilo na gaveta, como a Emenda 29 (que destina recursos para a saúde), por exemplo. Não há nenhum interesse do governo. O governo só vota a Emenda 29 se sair um novo imposto. E se for colocado em votação um novo imposto, aí é que não sai mesmo, porque ninguém vai querer aprovar mais um tributo.

JC - A senhora tem identidade com o setor agropecuário, como avalia a discussão sobre o Código Florestal?
Ana Amélia -
A falta de preocupação por parte do setor produtivo de esclarecer as questões relativas ao código compromete e cria alguns preconceitos. O pessoal da área ambiental é muito organizado e sabe fazer barulho. Dizem que o agricultor quer moratória e vai desmatar, uma falácia. Hoje, só 4% do território ocupado correspondem a áreas urbanas e 38% são de produção agrícola. E 58% são de áreas preservadas: Amazônia, áreas quilombolas, parque nacional, terra e parque indígenas. Quase 60% do território já estão reservados.

JC - A senhora apresentou um projeto sobre o pagamento de precatórios, um problema histórico aqui no Rio Grande do Sul.
Ana Amélia -
A emenda (Proposta de Emenda Constitucional 62) que foi aprovada, a do calote, é uma brincadeira. Coitadas das pessoas que esperam receber aquilo que lhes é de direito. O meu projeto dá uma condição melhor de ressarcimento ao credor do Estado. Ele é bem mais completo do que o que está sendo feito e tira a injustiça do calote. O cidadão não é respeitado pelo Estado mesmo quando ele tem uma dívida pequena. Então, por que o Estado age dessa forma? Devem ser os mesmos pesos e as mesmas medidas para o devedor e para o credor.

JC – O que achou do projeto do governo Tarso Genro aprovado pela Assembleia Legislativa no primeiro semestre que modifica os critérios para pagamento de precatórios?
Ana Amélia -
Ele tem a visão do Estado, não a do cidadão.  Até entendo as razões do governo. O Rio Grande do Sul é um estado com a situação financeira bastante complicada, para dizer o mínimo. Mas a gente tem que avançar mais nessa questão.

JC - Como avalia a atuação da bancada do PP na Assembleia Legislativa?
Ana Amélia -
Na política não basta fazer a coisa certa, você precisa fazer na hora certa. O partido perdeu, no caso da CPI do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), uma oportunidade política. Não precisava ter feito nenhum estardalhaço, mas quando o deputado (estadual Diógenes) Basegio (PDT), da base do governo, apresentou o requerimento, bastava que, com senso de oportunidade política, o partido assinasse. Quando percebo que a bancada tem o seu rito próprio, a sua forma de pensar, então tenho evitado externar minha opinião, só me manifesto quando sou consultada. Comparo com a minha situação em relação ao caso (Antonio) Palocci (PT, ex-chefe da Casa Civil da presidência da República). As entrevistas do ministro não foram convincentes, então, decidi assinar a CPI. No dia seguinte ele saiu. Então, 24 horas depois, se eu não tivesse feito isso, já era tarde. Não adianta você tomar a decisão certa, na hora errada. Eles próprios (deputados do PP) perceberam que aquele momento foi perdido. E o ganho político seria muito importante para eles e para o partido.

JC - Como analisa a conduta do presidente do PP estadual afastado, o ex-prefeito de Gramado Pedro Bertolucci, acusado de irregularidades na gestão do evento Natal Luz?
Ana Amélia -
É a mesma coisa em relação ao Pedro, de quem gosto muito. Foi a decisão certa na hora errada. Se ele tivesse no primeiro dia da denúncia emitido aquela nota consistente, seria outra a repercussão para ele. O partido é muito grande. É como quando acontece um problema com algum membro da família. Ela sofre pela situação, mas não é julgada. No caso institucional e político, se ele tivesse feito uma semana antes, nota dez. O partido não sofre o contágio da crise, que é um problema de Gramado e que tem que ser resolvido no âmbito da esfera legal e política. Não tenho nenhuma dúvida de que ele (Pedro Bertolucci) vai resolver isso a contento. Talvez por confiança nisso... (não tenha tomado a iniciativa antes). Mas a lógica da política é diferente. A mulher de César não só tem que ser honesta, como parecer.

JC - O PP de Porto Alegre quer lançar sua candidatura  à prefeitura em 2012. É possível?
Ana Amélia -
A primeira pesquisa oficial foi a do Instituto Methodus, fiquei muito feliz, mas achei que ainda era efeito da eleição. Fiz 400 mil votos em Porto Alegre. Depois, uma outra pesquisa deu uma posição melhor ainda. É claro que isso me envaidece, mas recém cheguei ao Senado, meus eleitores ficariam decepcionados.

JC - Descarta concorrer em 2012 na Capital?
Ana Amélia -
Descarto. Não tem condição. Isso não quer dizer que deixarei de ficar atenta e que participarei ativamente do processo. Temos que construir uma boa alternativa de protagonismo na sucessão. Porto Alegre está precisando de um gás novo, vai ter muitos desafios.

JC - O PP, ao mesmo tempo em que é aliado do prefeito José Fortunati (PDT), também é cortejado pela candidatura da deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB).
Ana Amélia -
Mas a política é como uma nuvem, como dizia Magalhães Pinto (político mineiro). Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou. Até lá tem ainda muita água para correr.

JC - A direita ainda não tem um nome de peso, enquanto a esquerda já se articula.
Ana Amélia -
O que é esquerda e direita? O raciocínio é pela perspectiva do eleitor em relação a mudar para melhor. Conta pouco a questão ideológica, mas a capacidade de fazer das pessoas.

JC - E em 2014, a senhora aceitaria disputar o governo do Estado?
Ana Amélia
- Está muito mais longe do que 2012. Cada dia com a sua agonia. Se dissesse que vou ser candidata, o governador começaria a me dar tiro de todos os lados e todo o partido dele também. Para que criar agora um problema desnecessário? Brinco com essa questão do Tarso, que será candidato, para dizer que não temos que antecipar as coisas. Sou muito pé no chão. O poder não me subiu à cabeça.Na política, é necessário trabalhar com o presente e o futuro de curto prazo.

Perfil

Ana Amélia Lemos nasceu em Lagoa Vermelha (RS), em 1945. Fez o Ensino Fundamental em Porto Alegre e voltou a Lagoa Vermelha, onde concluiu os estudos - Ginásio e Curso Normal (para magistério) - em uma escola particular, graças a uma bolsa de estudos concedida pelo então governador Leonel Brizola, para quem Ana Amélia enviou carta. Depois, veio a Porto Alegre e se formou em Jornalismo, na Pucrs, de novo com bolsa de estudos. Trabalhou como auxiliar em escola pública, lecionou, foi secretária-executiva até iniciar no Jornalismo. Passou pela Rádio Guaíba, ficou sete anos no Jornal do Comércio, atuou na TV Difusora (hoje Band) e por mais de três décadas em rádio, jornal e televisão na RBS. Recebeu diversos convites para se filiar a legendas políticas, mas só aceitou em 2009, quando ingressou no Partido Progressista (PP), pelo qual estreou nas eleições do ano passado, se elegendo para o Senado Federal com 3.401.241 votos.