quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Dossiê gramados: gaúcha é a maior autoridade do assunto no Brasil

Responsável pelos ótimos pisos do Beira-Rio e do Olímpico, Maristela Kuhn
é também consultora do Comitê Organizador Local do Mundial de 2014

Por Bernardo Pombo Rio de Janeiro-globo esporte
Considerados por muitos os melhores gramados do Brasil, Beira-Rio e Olímpico, estádios de Inter e Grêmio, em Porto Alegre, têm por trás o olho clínico de uma mulher. Elogiada pelos mais diversos profissionais de agronomia do mundo do futebol, a gaúcha Maristela Kuhn é a principal consultora do assunto a serviço do Comitê Organizador Local da Copa de 2014.
Engenheira agrônoma com mestrado e especialização nos Estados Unidos, Maristela trabalha no futebol há 18 anos, tempo suficiente para adquirir uma certeza: nunca se investiu tanto em gramados no Brasil. Mas o país ainda está longe do ideal, e os cuidados precisam ter excelência e carinho.
Sem entrar diretamente nos assuntos ligados ao Mundial, Maristela Kuhn conversou por e-mail com o GLOBOESPORTE.COM ajudando a jogar uma luz num dos assuntos mais inexplorados do futebol brasileiro: os gramados.
Maristela Kuhn, engenheira agrônoma (Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal)Maristela Kuhn é a principal consultora de agronomia do COL do Mundial de 2014 (Foto: Arquivo Pessoal)
Como você avalia os cuidados que os clubes têm em seus gramados? O Brasil está atrasado ou evoluído neste ponto?
Trabalho com futebol há 18 anos. Naquela época ninguém investia nos gramados. A mudança tem acontecido, com melhores gramados, máquinas de corte mais sofisticadas... Claro que estamos evoluindo, mas ainda há muito a ser feito, e considero um dos maiores problemas a falta de campos de treino, pois o time acaba treinando muito dentro do estádio, que é o palco do show, e deveria ser mais preservado, assim como é na Europa.
Num grau de importância, como seria uma escala de tratamento de gramado: irrigação, drenagem...?
Talvez um sistema de drenagem eficiente não seja tão importante num local na beira do mar, com solo arenoso, mas será muito importante, por exemplo, em São Paulo, onde temos chuvas muito intensas em cinco meses ao ano. Ou seja, todos os itens têm sua importância e daí a necessidade de você ter um bom projeto antes de iniciar o campo, para poder dimensionar cada um destes itens e instalar de forma correta.
Além da semeadura da grama de inverno, quais são os cuidados necessários para a grama no clima mais frio?
É preciso ter cuidado com doenças que vão ocorrer no período de frio. Modificar o plano de adubos para aumentar a resistência às baixas temperaturas, modificar plano de irrigação e alturas de corte do campo ajudam.
É verdade que o gramado deve receber água da chuva, por ser melhor do que a água tratada da irrigação?
Não necessariamente, mas usar água tratada para irrigar pode não ser muito ecologicamente correto. Devemos incentivar o uso de água de chuva e, principalmente, reutilizar a água que sai no sistema de drenagem do campo, criando locais para armazenamento. Junto com isso, já foram desenvolvidas variedades de grama muito resistentes a teores altos de salinidade, o que permite que estas gramas sejam irrigadas com água do mar e com água reutilizada (esgoto tratado).
O fato de termos gramados tão antigos, com solos argilosos, prejudica o escoamento da água na drenagem?
Sim. Nos últimos 15 anos, os campos começaram a ser implantados com uma base de brita e areia, para apressar a drenagem. O que queremos é ter uma chuva intensa e ter chance de jogar mesmo durante a chuva. A base do gramado precisa funcionar como um filtro gigante, escoando rapidamente a água.
Quanto, em média, um clube brasileiro investe por mês nos cuidados ao gramado? E quanto deveria investir?
Isto varia muito. Clubes grandes já fazem bom planejamento de manutenções, mas os pequenos não têm como investir. Começaria com uma boa implantação do campo, grama, drenos e irrigação corretos; depois um equipamento de corte bem dimensionado para então adotar práticas de manejo de forma a preservar o campo e recuperá-lo do desgaste.
Um dos maiores problemas é a falta de campos de treino, pois o time acaba treinando muito dentro do estádio, que é o palco do show, e deveria ser mais preservado, assim como é na Europa"
Maristela Kuhn
O Brasil é bem servido de fornecedores de grama e equipamentos ou ainda temos que importar muito?
Temos bons fornecedores de sistemas de irrigação, máquinas de corte e manutenção de grama, mas são todos materiais importados, basicamente tecnologia dos Estados Unidos, pois eles fazem muita pesquisa nesta área. Também temos produtores de grama das variedades já citadas, que foram também desenvolvidas no sul dos Estados Unidos, e importadas e produzidas em fazendas aqui no Brasil.
Além das máquinas de corte helicoidal, quais outros equipamentos se fazem necessários para atender o nível de exigência dos gramados?
Máquinas de corte vertical, equipamentos de aeração e descompactação, máquinas de fazer coberturas no campo, equipamentos de adubar e sistemas automatizados de irrigação.
Como funciona o procedimento de furar os campos uma vez por ano?
Com equipamento de aeração que faz 40 a 60 furos no campo por metro quadrado, removendo os tubetes de solo, descompactando campo. Estes orifícios que são deixados abertos devem ser preenchidos com areia, da granulometria correta. Desta forma, descompactamos o campo após o uso intenso durante uma temporada.

Pelo que você conhece, já existe um padrão de cuidados no Brasil? A maioria dos locais já usa os mesmos procedimentos, como a semente de inverno, por exemplo?
Semente de inverno só deve ser usada onde é necessário. Nos locais de clima quente, é um custo que não se justifica e não fará a menor diferença. Os clubes da Primeira Divisão já estão adequados quanto aos cuidados no campo, mas sempre há como melhorar, há muito a ser feito ainda.
Maristela Kuhn, engenheira agrônoma (Foto: Divulgação / Arquivo Pessoal)Maristela: gramados brasileiros evoluíram nas
últimas duas décadas (Foto: Arquivo Pessoal)
Em uma semana, qual, na sua opinião é o número máximo de eventos (jogos) que o gramado suporta sem sofrer?
Depende do clima. Com calor, campo seco, boa drenagem e solo arenoso, o campo pode suportar dois treinos e um jogo, por exemplo. Isto seria o ideal para o estádio, que é o palco do show. Campos de treino, sem exigência estética, suportam muito mais.

Por que ainda temos gramados ruins no Brasil?
Volto a reforçar que é uma questão de orçamento do clube. Os clubes que têm condições já estão investindo na melhoria dos seus gramados.
É verdade que na Europa o gramado parece ser mais bonito porque a grama de inverno é por natureza mais bonita do que a grama de verão, usada por aqui?
A grama de inverno tem uma tonalidade de verde mais intenso, talvez por isto pareça mais bonita. Hoje já usamos no Brasil alguns adubos que deixam o gramado com este tom de verde. Mas na Europa não é só isto. Os bons clubes de lá têm equipamentos de corte sofisticados e manejo adequado ao longo do ano.
A prática de alguns replantios de todo o gramado é vista em alguns estádios europeus. Isto está muito fora da nossa realidade?
Essa prática tem sido adotada na Europa, nas arenas multiuso, que realizam vários eventos, como shows, dentro do gramado. Dependendo do sistema, pode-se usar o campo para jogo no dia seguinte do plantio. Mas esta troca envolve um custo alto e muita tecnologia.
O que você acha dos estádios, como em La Plata, na Argentina, onde o gramado é retirado para shows e outros eventos? Seria uma boa saída para o Brasil ou é muito caro?
É bastante caro, e depende da solução de cada estádio. Se o estádio vai sediar grandes eventos, que realmente paguem por isto, valerá a pena.
A grama de inverno tem uma tonalidade de verde mais intensa, talvez por isso pareça mais bonita. Mas na Europa não é só isso. Os bons clubes têm equipamentos de corte sofisticados e manejo adequado ao longo do ano"
Maristela Kuhn
A luz artificial usada em vários estádios na Europa será uma tendência por aqui no futuro?
Não diria que é uma tendência. Será uma necessidade se os estádios usarem coberturas mais fechadas, pois a grama precisa de muito sol para sobreviver e se manter em condições de aguentar o desgaste por pisoteio durante um jogo.

Além da luz artificial, existe outra prática que pode substituir a ausência de luz do sol para incentivar o crescimento da grama?
Existem alguns adubos e hormônios que auxiliam, mas jamais substituem, daí a necessidade de utilizar luzes artificiais, que tenham os comprimentos de onda similares ao da luz solar.
O Atlético-PR estuda usar um sistema de aquecimento do solo com tubos de água quente para minimizar os efeitos do inverno. Conhece algum projeto do tipo? Funciona?
Funciona muito bem. Muitos estádios na Europa e nos Estados Unidos usam com sucesso. São pequenos canos que ficam enterrados a alguns centímetros de profundidade do solo, por onde passa água aquecida, para manter o solo numa temperatura que permita o desenvolvimento das raízes sem congelamento do solo.
A grama de inverno usada na Europa é a mesma plantada aqui: Ryegrass?
Sim, mas na Europa usa-se outras espécies além do Ryegrass, depende de cada região. No sul da Europa usa-se a grama Bermuda, a mesma da maioria dos campos aqui do Brasil.
Luz artificial no gramado de Wembley (Foto: Divulgação SGL Concept)Luz artificial no gramado de Wembley
(Foto: Divulgação SGL Concept)
Na sua opinião, quais são os melhores gramados do Brasil atualmente?
Que pergunta difícil! Não saberia citar, é uma combinação de grama adequada, campo instalado corretamente e principalmente o manejo que é feito ao longo do ano.
Dos tipos e subtipos das gramas encontradas nos estádios brasileiros (Bermudas Tifway 419, Celebration e ITG6, além da Esmeralda e da São Carlos/Batatais), qual é a melhor?
A grama Bermuda é a melhor espécie dentre as que você citou acima para a prática do futebol. Dentro desta espécie existem várias cultivares, onde se inclui a cultivar Celebration e a Tifway 419, ambas melhoradas geneticamente para adquirir características apropriadas para práticas esportivas, tais como maior resistência ao pisoteio, e maior potencial de recuperação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário